domingo, 31 de outubro de 2010

Poças D’água

Uma crônica chamada saudade



Tem certas coisas que a gente sabe desde a infância e não as esquecemos...
Desde os áureos dias de minha meninice que percebo o valor inestimável que a chuva tem para tudo neste planeta. Mas o que mais me vem à lembrança não é seu valor na agricultura, na renovação da vida ou na manutenção de todos os princípios que valorizam a Natureza, mas na simplicidade que Deus usa para banhar os pés das crianças em poças d’águas deixadas ao acaso pela chuva. Ele não precisou vir às crianças como vieram a Jesus na Santa Ceia. Veio em forma de chuva em poças d’águas abençoadas. Lembro bem que ansiava sempre para que a chuva estiasse só para ir banhar os pés, às vezes até mesmo sob chuviscos e os reclames incansáveis de minha mãe... Mas sempre prevalecia minha vontade.
Houve um momento em minha vida que eu percebia as chaminés das indústrias lá na velha Contagem, ainda das abóboras, como uma forma do homem inventar a chuva ao mandarem para o céu colunas de fumaça, e deste progresso eu não fazia conta. Até achava bonito a fumaça subindo e se misturando as nuvens. Eu era a própria inocência dourada pelo reflexo do Sol em poças d’água e achava que aquela fumaça voltaria como chuva igual a que deixava as poças d’água límpidas como a alma de uma criança de 5 anos.
Mas não era...A progresso subia ao céu para sujar, para macular o ar que respirava. E pior, para embotar o brilho das estrelas, o iluminar da Lua, mas mesmo assim que saudade tenho hoje de minha outrora!
Hoje até já pisaram na Lua, sabem? Macularam a alma do Poeta! Até um dia deste eu ainda soletrava a lua sem ter tido um homem nela e a imaginava virgem. Havia apenas São Jorge, um cavalo, um dragão e todo um sonho Pobre Lua, hoje tem bandeira, tem pegadas e promessa para que em seu seio surja do nada uma Estação de apoio e passagem para outros mundos como se fosse a “Estação” de minha lembrança, a de “Melo Franco”, ferrovia que ainda hoje passa sem deixar viva alma a apenas 2 quilômetros do pequeno distrito do “Aranha”, berço de meu pai no Município de Brumadinho. Na estação do esquecido vilarejo que nasceu com a ferrovia eu apeava depois de uma viagem cheia de fuligem até na alma e da qual eu nunca ousara reclamar da poluidora “Maria Fumaça” por causa da ansiedade que sempre a aguardara para o embarque na “Rui Barbosa” em Belo Horizonte. Por mais fuligem que houvesse eu achava até bom ver os vagões do “misto” carregados de carga fazendo a curva da estrada antes dos vagões de passageiros que sempre iam à rabeira da composição e lá na frente via-se a velha locomotiva soltando seus tufos de fumaças ...Bons tempos aqueles.
Da estação eu partia a pé para vencer a estradinha de terra batida entre a Estação e a fazenda do meu avô Manoel Parreira. Enquanto caminhava ficava a imaginar em quantas paradas a “Maria Fumaça” iria dar ou receber em seu ventre seus rebentos ou então sem parar se deixaria ver passando a limpo sobre trilhos e dormentes os nossos próprios destinos?
Hoje quando leio Jornais e vejo as matérias sobre poluição eu sinto saudade das poças d’água, da Estação do Melo Franco, da do Rui Barbosa, da fazendinha do meu avô, da Maria Fumaça e até mesmo das colunas de fumaça das Indústrias de uma Contagem ainda de poucas chaminés...Ah minha amável e inesquecível infância que saudade eu tenho de ti!



Marcondes Filho

Um comentário:

  1. Jacqueline, que bela homenagem você ter criado esse espaço para prestigiar seu pai. Aliás, um espaço merecido vez que os textos demonstram sensibilidade perante a vida.

    “Hoje até já pisaram na Lua, sabem? Macularam a alma do Poeta!” - Marcondes Filho

    ResponderExcluir