sábado, 12 de fevereiro de 2011

Viela - Uma Crônica pela Vida


           Eu bem que tentei, mas infelizmente meus olhos transmitiam o meu estado de espírito em um dia que para as outras pessoas era vivamente matizado pelas cores da vida, para mim mais aqueles dias dia cinzentos e tempestuosos daqueles que a gente não sente vontade de fazer nada, mas mesmo assim consegui burlar meu ânimo e trafegá-lo.
Sem me naufragar mais. Ainda viria a noite e aí então a minha batalha seria mais árdua. Eu não via como arraigar-me de forças que me fizessem vencer talvez a mais difícil travessia de minha vida sem me naufragar de vez e ficar estirado aos olhos incrédulos de uma cidade,pré-determinando um poder que não era meu.Mas dizem que a ultima esperança é a que morre,se bem que a sociedade já moribunda tenta sobreviver desta máxima.Talvez amanhã eu já não faça parte deste contingente de excluídos
            A noite veio triste e encontrou-me debilitado e envolto por lembranças cruéis a me levarem cada vez mais para o abismo. Meus critérios sobre a vida fracassaram, os meus sonhos e minhas ilusões foram tragadas pela incompetência do meu censo de moral e meu ânimo de lutar esvaeceu sobre uma forte pressão emocional. Naquele momento eu mais parecia um marionete nas mãos do meu destino que me jogava cada vez mais à inércia  definitiva.Lentamente a cidade foi adormecendo .Antes o burburinho disfarçava meu estado de espírito,mas pouco a pouco as luzes foram se apagando,então me percebi sozinho .Para preencher meu vazio extenuado,passei a vagar de bar em bar até que definitivamente me pediram licença.Pouco passava das duas horas da madrugada de uma segunda feira fria.Abandonado a própria sorte passei a procurar uma lama confidente que me replicasse com alento…E ela surgiria oportunamente…
            A viela era um pouco mais que um beco sem saída, de sorte que percebi uma tênue fogueira. Acima, após a marquise, uma vidraça semi-serrada ainda translúcida guardava alguém. Embaixo ,envolto em um ralo cobertor,em um canto,um velho maltrapilho dormitava sua miséria .Acheguei ,sentei-me  junto a sua frágil fogueira de poucos gravetos esfumaçantes que deixavam escapar vez por outras labaredas.Ele condicionado sempre desperto ao menor ruído ao me perceber ergueu seu tronco sobre os quadris e sentou-se no seu lençol de folhas passadas.Por obra da brisa gelada as incertas chamas clareavam seu rosto,as suas rugas,sua barba a fazer há muito começava a nevar e não deixava transparecer sua idade ,mas não me pareceu um ser a definhar,ainda havia vigor em seu olhar.Depois de me observar atentamente,blasfemou:
-Que vida danada!A gente nem pode descansar, sempre aparece alguém para atazanar… Que vida!…Você não está vendo que eu quero descansar?-Perguntou.
-Eu não estou querendo nada senhor, só quero me aquecer… -Aí então comentei :-A noite está muito fria…
-E eu com isso… Ora, acenda um fogo em outro lugar, me deixa em paz!-Exclamou contrariado.
-Que mal há em aquecer-me senhor?Não vim para lhe roubar nada. Onde está a compaixão que o senhor tão bem conhece?Onde?Que não a tens para dar!O maltrapilho apenas cofiava a barba ao escutar, mas não desdenhou.
Compaixão?Pra que?Pra deixar-me ser roubado?!-Disse em alto brado, depois correu os olhos por seus trastes e ponderou:- Se bem que não tenho nada que mereça ou valha a pena ser roubado. Acho que só a minha vida, mas você não vai querer a deste pobre velho. -Depois olhou-me demorado como se vasculhasse a minha vida,seus dedos farfalhavam minha camisa como se quisesse avaliar-me:-Você está no lugar errado…Aqui é para vagabundos ou homens como eu que não tenho nada a perder.Olhe só a minha cama…forrada de jornais.Você jamais emprestaria seu corpo a uma miséria destas.Qual é a sua história?-Perguntou.
            Eu não sei como contar ao senhor. Mas o fim eu prevejo. Esta noite esta parecendo a derradeira…”Ah,desvairada juventude!Olhe onde me deixaste.De que me valestes se todo o meu vigor se esvaiu logo ao primeiro não do destino?Será que me servirá de vida o fel?Onde está o prenuncio de esperança quando me vi na primeira vez?Onde estará?Será que servistes só para enganar-me?Maldita!”-Injuriei-me.O maltrapilho que ouvira o meu lamento apiedou-se:
            -Que perda de espírito… Ah!Mas não me dou por vencido continuo a ter esperança meu filho. Ainda acredito nos homens. Não deixe que o destino o leve a lona.
Mesmo não aparecendo às oportunidades estão a sua volta, não desespere jamais. Se novamente o fracasso lhe bater a porta, não se preocupe, ele faz parte da vida tanto quanto a vitória e andam atrelados. Sempre há de haver uma nova oportunidade para se tentar de novo…mas,se você se entregar meu filho,não passará de um covarde.
            -Eu? Um covarde? –Exclamei indignado. -E o senhor faz o que aqui?Quem sabe que numa viela inóspita ,assim como eu,o senhor também não tenha procurado abrigo para o seu desespero e não se lamuriou pela imensidão da noite a sua desgraça. Quem sabe o que perambulou de viela em viela a procura de um traste bêbado que lhe escutasse sem reclamar na esperança de ouvir um balbucio de esperança. Então o senhor é um covarde personificado!-Repliquei desolado a que se apiedou.
            -Você não passa de um “tonto”!Eu renascer em você?Não sabe nada desta vida meu filho. Foram coisas banais que o trouxeram aqui, mas para você estas desilusões prediziam o seu fim, o que não é verdade. Eu não acredito que acontecido nada que não possa ser remediado em sua vida.Até na morte há méritos …Há Deus!Não deixe que seus sonhos se tornem seus senhores e nem que sua emoção seja a única vertente. Você me desculpe, mas eu fico contrariado quando vejo alguém reclamar da sorte. São vocês,os que não tem coragem de procurar um novo caminho e uma equação para as suas vidas,que terão que descobrir seus próprios valores.Mas se desistirem,terão feito deste universo um equivoco.Eu sim nunca lancei lamúrias contra a minha sorte,nunca tive nada e nunca pensei em ter alguma coisa que me fizesse sofrer por medo de a perder.Eu tenho o direito de estar aqui nesse momento ou em qualquer outro lugar.As minhas pernas me levam e  trazem quando preciso,eu não preciso me preocupar onde estou ou onde estarei no dia seguinte.No momento eu fiz dessa viela minha casa por vocação,eu tinha que estar aqui hoje,mas não me pergunte porque.Tem coisas que eu não consigo entender,mas não faz mal,é o que faz a minha rotina ser muito especial.São pessoas como vocês que me obrigam a mudar sempre de local.Eu sou uma pessoa que não gosta de ficar batendo na mesma tecla.Se amanhã eu permanecer aqui,você ou outro qualquer lançará à noitinha,os focos dos faróis na entrada da viela e nós os marginalizados sempre os estaremos esperando.Mas eu não preciso disso.Vocês sempre virão com um prato de sopa e um agasalho para saciar a nossa necessidade,e isto é muito pouco para quem tem a origem do universo.-concluiu.
-Então porque o senhor está aqui, se afirma termos a mesma origem do universo?-Perguntei
-Eu já lhe disse… Pura vocação, meu filho!Eu nunca selecionei nada, tudo me veio ocasionalmente. Vou lhe dar um exemplo: Certo dia eu achei que deveria conhecer mais intimamente a nossa cidade, e o que fiz?Passei a observar mais os seus encantos e me apaixonei, e para conhecê-la melhor resolvi andar a esmo, sem destino, mas quem muito anda cansa e eu me cansei, então me sentei bem próximo a uma igreja, se me lembro bem era uma Batista, ali próximo ao centro, e acabei cochilando já entregue ao marasmo. Neste momento o meu chapéu ao ir de encontro à parede na qual eu me apoiava, perdeu-se de minha cabeça e caiu com a cavidade voltada para cima. Quando não foi a minha surpresa quando sai do meu marasmo.No mínimo havia dinheiro em se interior para eu me sustentar por dois dias.Aí então eu pensei:_Se me veio por que não repetir a dose todos os dias?E assim eu fiz por muito tempo. Eu não escolhi ser mendigo, a  sociedade é que quis e se me perguntarem, eu aceitei. Já faz quarenta e dois anos …Uma existência.Depois disso vieram as sopas,os agasalhos e por fim os desesperados,que vieram  encontrar aqui com este velho,que não passa de uma partícula do universo,minúscula,pouco mais que a ralé,uma palavra…Um alento.Falando nisso… Como você chegou a mim?-Perguntou.
            -Casualmente. Eu vi o fogo e me aproximei para me aquecer. O resto o senhor já sabe…
            -Não!Eu não sei de nada, você não me disse, mas não tem importância. Os problemas das pessoas são sempre quase iguais o que muda é a fórmula de como os enfrentam. As vezes eu ouço alguns que nunca pensei existirem de tão ínfimos que são.Se comparados ao poder de absorção do ser humano,não era nem para eles existirem.Mas o que fazer …vocês falam …Eu ouço.É o mínimo que eu posso fazer.Bem,por hora chega…Olhe o adiantado da hora.-Disse observando a lua crescente.
-Eu tenho que voltar a descansar. Vá em paz… Vá meu filho eu não posso fazer nada por você.
            -Espere!E os meus problemas?_Perguntei ansioso.
            -Problemas?Ora, você achará uma solução adequada, não tenha dúvidas. Um bom travesseiro os resolverá. Me perdoe,eu tenho que descansar,meus velhos ossos estão moídos.-Afirmou,suspirando o cansaço de um velho.Não insisti mais deixei-o em paz.Deixei o velho como o encontrei deitado sobre seu lençol de noticias passadas.Quando dobrei a esquina  ao sair da viela,senti uma forte atração para voltar,mas resisti.Se o tivesse feito não o encontraria mais.Eu sempre tive uma forte impressão que ele não era um ser…Bom, não custa a gente sonhar com o impossível .Mas tudo bem!Que eu era um homem insensível eu não tenho duvidas, mas depois do velho tudo mudou…

                                               Fim

                                          Menezes Filho

Um comentário:

  1. Ola...muito interessante seu blog...
    ja estou seguindo com gosto...amo poesias e seu pai era um verdadeiro poeta...amei os textos
    da uma passadinha no meu
    www.pontosdabeleza.blogspot.com

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