segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Sertão


Êta meu cumpadi,
Essa noite vai sê boa dimais pra ouvi uma viola puntiá...
Óia à sua vórta,
Veja só esse intardecê,
Já viu obra de Deus mais imbelezada?
Cridito qui num deve tê visto donde ocê vei!
Pró ocêis qui vivi na cidade
Num tem comu vê dessas beleza.
Óia a cachoeira caindo sobre as pedra
Num murmuro de paz interminávi
Tem até sambambaia qui não precisô ninguém plantá
De Deus já era de feitio
imbeleza ás água deste bendito lugá.
Lá onde océis deve morá 
Pro mais qui gosti do furdunço da cidade grande
Tanta beleza jamais vai incontrá
Como a qui tem aqui nesse lugá,
E mermo qui procurá,
Nem minha humirde amizade
Tão fácil de conquistá
Océis hão de tê.
Mas si vim aqui,
se achegá,
Basta sentá
Se dá a um dedo de prosa
Tomá café de pilão
Comê uma broa de mio
Prá amizade aflorá
Depois ao saí,
Dá mão, um abraço...
Amizade confirmada e selada 
Como fosse de dois irmão!
Sabe meu bom homi?
Tô sempre aqui neste rincão
Nesse vale incravado no meio dessas montanha
Sempre esperançoso de vê alguém chegá
Mais me cridite...
Num tenho solidão.
Sô de fáciu adormecê
Com o canto do meu sertão.
Qué sabê de uma verdade, meu cumpadi?
Solidão nunca morô aqui,
E a vóis posso té dizê;
Eis qui de vez em quando
Alguém chega como vóis mercê
Vindo num sei de ondi
Apeia prá um tiquinho de prosa
E si vestido de calô, 
Deixa se banhá
Prá se refrescá
Nas água desta cascata
Qui Deus mandô pá cá
E qui océis num tem
E si um dia céis teve
Num sobe guardá prá dia comu esse
Eu guardei...Prá océis!
Óia lá in cima intão,
Nesse céu desse Deus tão bão
Óia a lua desse principo de escurecê,
Tá veno ela surgino?
Tá na ponta do meu dedo, veja só, 
Se deixa ela vem prá minha mão de tanto me gostá.
Tem lua mais bunita qui essa
Qui em Semana Santa
Nunca deixô de sê cheia
Prá mode podê iluminá
Os caminho qui Jesus tinha de passá...
Sabe? Ele inda passa rumo ao carvaro
Até qui um dia o home pare de fazê Ele sofrê,
E a Lua intão finarmente vai podê discansá!
Tem céu mais ilustrado qui esse do meu sertão?
Esse céu inté parece um pontiado de viola
De tanta istrela que ponteia aqui e acolá
E num tem nada qui lhi pareça iguá.
Num tem mermo, né meu cumpadi?
Lá na sua cidade tem fumaça
Qui imbota tudo,
Qui té deixa os zóio ardendo 
Como se fosse pimenta malagueta ! 
Aqui, só fumaça de chaminé de fugão,
E de tão poca qui é
Deixa té se perfumá
Pelo cheiro do alecrim
Ou de outra lenha qui eu consiga achá
Pois lenha de árvre boa, jamais irei tirá.
Sabe Deus...Tenho pena de océis!
Qui num tem mermo nem na lembrança
O cheirinho bão desse lugá.
E os fiu como os meu intão?
Prá océis da cidade tê iguá, é impossivi
Se “raio” brabo com os meu
Logo se aquieta
Sem tê medo,
Pois os meu tem é respeito pelos pai
Pelos mais véio 
E querência boa pelos mais novo
E no fim, o mió;
Os meus sei onde sempre tá,
Po ora pescando no riacho aqui bem perto
adonde a água passa pela ponte,
deixano remanso, 
E os riso de alegria em murmuro dessa água crarinha
Pois é sabedora qui ninguém vai lhi sujá.
Basta chegá na Janela, dá um assobio...
“Um fio...Fio”, 
Desses meu assubiá
E eles vai tá logo pronto pro jantá
E ainda traz no emborná
Uns pexinho
De poca monta... É certeza!
Mas pronto prá fritá.
Se vão pro Arraiá
Arguém saberá
Dos apronto qui houvé pro lá
E se for cuns meu
Dispois o acerto é cá.
Vida boa qui seus fiu num tem, 
Num é mermo?
Istudá? Ora...
Os meu istuda sim!
O meu mais véio
Na gricultura vai ser dotô
Mas já avisei qui no meu manejá num quero arreparo
E nem vô arredá pé desse lugá
Pois dês qui eles nasceu
Cresceu comendo o fruto do cabo de minha inxada
Qui nunca deixei de segurá.
Qui meu fiu seja doutor de plantação
Ou de criação
Qui insine de portera in portera
Mas qui me deixe trabaiá
De sol a sol como sempre trabaei,
Pondo feijão na mesa
Arroz prá se fartá
Até mermo
Carne de capado qui acabara de engordá.
Qui vida mió poderia eu dá a meus fiu do qui insiná
A ser amigo,
A ter amigo,
E se dá respeito?
Não poderia mermo nada mais lhes dá
Do qui meu respeito pelas coisa desse lugá.
Mas me diga de seus fiu meu Cumpadi...
onde tão?
Garanto, num sabe dele!
Océis num adormece por num sabê
Ondi é o fuzuê
Qui ele vai tá.
Sinto até pena de tanta gunia
qui isso carsa sem océis querê
E até mermo sem merecê.
Sabe cumpadi?
Curpa da modernidade!
Ah meu cumpanheiro de prosa
E de fraterno bem querê...
Sinta meu sertão
De noite inluarada
De Viola incantada
Das istrela qui centeia
Das cachoera qui murmura
Dos galo qui canta ao amanhecê
Do cheiro do alecrim qui fumega
Avisando do café
Torrado e muido aqui mermo
Qui meu mió querê acabô de passá.
Do amigo de cerca
Qui se não a conserta
E num mi importo...
Pois tudo é nosso mermo,
Pode até num parecê, mais é!
Mas cada qual com o seu, por ser de direito.
Se animá dele passa prá cá
Ou meu prá lá 
Num deixa de tá em bão lugá,
Uma ora hão de vortá.
E tenhu qui tamém falá
De Véia rezadeira
Da Arruda e do terço
Num posso deixá de lembrá
Qui ainda usa Guiné
Prá tirá mau zoiado
Ô até mermo prá espantá resfriado.
E prá quebrante
Qui a mâe use de muito respeito 
Qui ela reza e dá fé
E porque não dizê
Também da oração
Qui além de dar esperança de curá
Cura tamém os males do corpo
E até mermo do coração...
E posso até dizê:
“Dos male feito de amor, meu cumpadi!” 
Mas o bão é ouvi o qui murmura 
a Véia a rezá
Pro amô vórtá:
“Meu Sinhô, Deus Pai,
Abridor de destino
Fazedô do bem
Pretetô contra os male,
Me ajude
A recupera carinho,
A abri caminho
Pro amor vortá
Bem devagá
Prá não assustá
Quem esta a ispera.
Amor qui chega depressa
Depressa vai
Não esquenta nem lugá.
E fáciu é
Basta só a gente querê
Pra se podê amá,
Qui venha a nóis pelas mão do Sinhô,
O amor...Amém!”
Sabe Cumpadi? É reza bunita,né?
Océis pricisa sê cumo nóis
Prá vencê no destino
O homi do sertão nunca desanima
De inxada na mão...
De botina no pé...
E esperança no coração
Pede sempre ao Santo
Qui o dia siga choveno 
Prá moiar a plantação
Qui onti a tardinha acabô de plantá
E num importá de se moiá
A muda de ropa qui acabara de trocá
O qui importa é a coieita qui um dia virá.
Rumo a rocinha
Ou a Igreja de Santana
Ou té mermo à “morada” do Santíssimo
Qui fica no incontro das estradinha 
Onde os viajante para pa respirá,
pra orar aos pés da cruiz
Pedindo conforto prá viaje
Prá dispois podê segui confiante
Seguino pela istrada qui corta esse Sertão.
O Sertanejo por destino é de muita fé
Sempre será o mermo home...
Um home em paz e harmunia
com a própria natureza de Deus.
Océis num tem mermo
A paz desse lugá 
Qui num se quebra nem mermo
Na quermesse de Maria
Na Foguera de São João ou de Pedro
Com os mil forguedo no arraiá
Ó meu belo sertão
Ondi ainda tenho a felicidade
De ver o orvalho nas flô
De ver revoada dos pássaro 
E seu cantar ao amanhecê.
Qui sinfonia bonita
De se escuitá ao alvorecê.
Olho pras árvre,
Estão mermo ali;
Os sábia,
Os canarinho;
Bunito de se vê,
“Amarelinho, amarelinho...”
Os passaro preto,
Os assanhaço,
Os coleirinha,
Os papa capim,
Tudo em sinfonia
Pro dia amanhecido
Não esmurecê
E vortá a sua rotina de onti
E de novo fazê chegá o entardecê
Prá qui de novo nóis esteja aqui como agora
Veno as estrela de brio acontecê.
Mas meu amigo da cidade
Se é de seu agrado prá casa vortá
Qui vorte
Qui fico aqui com a paiz do meu sertão!  


Marcondes Filho 

7 comentários:

  1. gostei do modo que foi escrito

    http://rocknrollpost.blogspot.com/

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  2. EITÁ MINHA FIOTA... ESSES VERSU ME FEIZ LEMBRÁ DAR MINHA ANDAÇA PELU SERTÃO. PRINCIPARMENTE PELA BAHIA E PELO CIARÁ.

    ADISPOIS PASSE LÁ, PRA GENTE PROSEÁ UM POCO.
    http://thebigdogtales.blogspot.com/2012/01/nesse-instante.html

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  3. Me refresquei no poema, esse linguajar tão simples, esconde uma profundidade interminavél. Parabens ao meu postumo amigo e sua filha, por incontaveis momentos de alegria de leitura.

    Feliz ano novo e tudo de bom !

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  4. Gostei demais do dialeto caipira enaltecendo a beleza da Natureza que o monstro do progresso insiste tanto renegar.Apesar de ter nascido na capital do RJ nasci em um cantinho de natureza preservada,o que certamente me dá uma visão diferente das coisas! Adorei a sua visita no meu blog! Beijocas!

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  5. Eita, que delícia!
    Era eu quem estava sentada lá, ouvindo o bom amigo do sertão!
    Deu até para sentir o cheiro gostoso do riacho.
    Seguindo.
    Beijos
    http://www.giselecarmona.blogspot.com/

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  6. Obrigada pela visita!Eu também adoro essa poesia .Vocês são gente boa demais uai ...Beijos

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